sexta-feira, abril 28, 2006

Memórias do cárcere.




Longe de tudo e de todos, fui levado às masmorras. Descrever o lugar seria bobagem. Minha alma é que se exauria. Marcada a hora da morte, restava em mim, o pensar, já que minhas armas não eram carregadas nas mãos, e sim no espírito. Acostumar é entregar, sofrer é fomentar a derrota.
Olhei ao redor mais uma vez. Vi baratas se alimentando de meus restos de comida. E ser um inseto agora era melhor que ser eu. O dia já empunha seu ritmo do lado de fora das grades. Olhei gente passando para trabalhar, aborrecidos pela obrigação da labuta. E como seria bom se eu pudesse fazer isso. Levantar e trabalhar.
Um guarda me oferece uma caneca de água e diz ser a ultima. Bebi com paixão. Voltei ao gradil que dava para cidade, e eu , homem sem credo, sem respeito, sem medo, pensei em Deus, juntei as mãos e me ofereci aos braços da morte. E sinto uma mão pousar em meu ombro. Tomado pelo susto, me volto rapidamente. Era Jesus.
- Potaqueuparil! Se estou vendo Jesus , eu já morri. Filho da puta do guarda de Pilatos me deu água envenenada...
- Claro que não, idiota.
- Então eu tô louco mesmo. Ver Jesus e estar vivo só pode ser coisa da minha cabeça. E olha que estou a uns três dias sem usar mirra...
Jesus prende seus cabelos num rabo de cavalo e diz:
- Má como tu é burro, Velho! Vim te soltar!
- Ah tá! Porra, que susto! - Jesus volta-se ao gradil e observa que não há guardas no corredor. Eu o alerto:
- Cuidado onde pisa, Jê! Tu quase matou a Beth. - Falei pegando a barata do chão. Jesus olha repulsivo:
- Cara, que nojo! Tu pega a barata assim com a mão?? ARG!!
Eu acaricio a cabeça da barata com a ponta do indicador.
- E o que que tem?? A Beth me ajudou muito aqui nas masmorras. Solidão é foda e ela é mansinha. Abre a mão e pega ela pra voce ver.
Jesus encolhe e coloca as mãos para trás.
- Tira esse bicho daqui! É serio Velho, não gosto de barata.
- Seu bunda mole!! Um homem desse tamanho com medo de barata...vai, pega pelas anteninhas então! - Falei colocando o inseto a poucos centímetros de Jê. Ele se curva todo, evitando o contato.
- Cara, se você colocar esse negocio em cima de mim, vou embora sozinho. E não tenho medo, é nojo mesmo.
- Sei. Mas tá bom, vou quebrar teu galho. - disse soltando a Beth na parede. Jesus se arrepia e faz cara de asco. Ele estala os dedos e num piscar de olhos estamos na praça de Jerusalém.
- Valeu Jê! Bom, sexta feria e tal...vamos pra taberna?
- Opa!
- Tá ficando mal acostumado com taberna na sexta, hein?
Jesus solta os cabelos e diz tranqüilamente:
- Só vou pra Acompanhar, Velho. Só pra te acompanhar... – disse me abraçando de lado e apertando meu ombro.
- Obrigado então. Será que tem baratas na taberna? To com uma saudade da Beth...
- Velho, vá pra %*#@ que o pariu!
- Ui!



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