sexta-feira, dezembro 15, 2006

3.1



Engraxava sapatos depois da aula. A mãe pensava que como os outros meninos, estava a jogar bola ou empinar pipa. Ele confirmava. Nunca contou nada sobre seu trabalho. Economizava tudo que podia em uma latinha de leite em pó, providencialmente enterrada no quintal de casa, atrás da casinha da privada.

Entre os cinco irmãos era oque mais fazia cara de fome. Realmente sofria, pois jamais tirou um tostão para comprar uma coxinha que fosse. Apenas flanelas e mais graxa de sapato. Escola obrigação do estado, alimentação obrigação dos pais, pensava ele.

Em um dia de extrema fome, a mãe, lavadeira, impedida de trabalhar por causa da chuva que caia há mais de uma semana, não conseguiu levantar nada com os vizinhos que também estavam em situação semelhante ele apareceu com R$ 20,00. A mãe logo achou que o menino dera ladrão. Indagou-o
- Onde arrumou esse dinheiro menino?
- Por aí. Compra logo comida e para de perguntar.
- Se tu não me conta, eu queimo esse papel.
- É do Rubão, ele me emprestou!

Ele não gostava de mentir, mas no aperto que a mãe lhe punha, esta idéia lhe surgiu. E pareceu boa.

Rubão era oque de pior podia existir. Traficante, homicida, ladrão e seqüestrador. Na posição de chefe do tráfico, não permitia desordens por ali. Atendia bem quem lhe pedia, mas, nunca de graça. Requisitava serviços e favores dobrados, seja guardando armas e drogas ou cedendo um cômodo como cativeiro. Em tempos de guerra, pedia a casa toda se esta estivesse em posição estratégica. O povo apenas calava e saia. Em tempos de paz, dava festas de arromba.

A mãe desesperou-se. Não queria dever nada ao marginal, mas aquele dinheiro era a única salvação, logo o aceitou, com o intuito de pagar no dia seguinte. Debaixo de chuva lavou e secou roupa alheia, juntou o dinheiro e mandou o menino devolve-lo. Ainda sobraria algum.
-E os juros, mãe? O Rubão sempre cobra 25%.
-Por um dia, menino? É doido?
-Então vai a senhora lá falar com ele. Eu é que não vou!

A velha com medo, cedeu.

Disso o menino aprendeu duas coisas: O poder do medo, e, guardando seu dinheirinho acrescido de juros e correção na latinha percebeu que podia ganhar mais dinheiro com trabalho alheio. Se houve uma terceira lição, foi a mãe quem aprendeu.

Deste dia em diante, nunca mais enjeitou serviço e trabalhava com muito mais afinco. Fome os meninos não passaram mais. Até mais gordinhos. A mãe emagrecera um pouco.
- Ta mais bonita - Dizia o menino

Quando ela morreu Juvêncio sofreu. Tinha feição aos irmãos, especialmente pelo menorzinho. Morreria o pequeno de fome também? Talvez não, algum vizinho acudiria. Ou o orfanato. A mãe ali, deitadinha no caixão pobre e carente de flores, com os olhos esbugalhados a fitá-lo. Será que depois de morta, a pessoa passa a saber das coisas? Não, isso ela não podia pedir, afinal, eram cinco. O orfanato levou os cinco. Ficou só.

Aproximou-se de Rubão. Pedisse oque quisesse, era capaz. E com sua competência logo promoveu o chefe que agora não era um simples bandido, e sim um mega-empresário do ilícito.
- Bom negócio esse de ganhar dinheiro com o trabalho alheio – Dizia Rubão.

Juvêncio, agora seria legalmente um homem. Completara dezoito anos. Sempre guardou e poupou, mas agora se daria um presente condizente com sua nova realidade. Comprou uma bela arma. Uma magnum .45.
Nunca havia empunhado uma, sua caneta era tão ou mais mortal, mas no momento que a segurou sentiu que a mesma era para suas mãos como uma coroa para sua cabeça. Cabeça onde sua ordem não penetrasse, a magnum transpassaria. O único que não estava sujeito as suas ordens era Rubão, a atrapalhar sua majestade. Com a ordem de um único dedo passou-o duas vezes.
Ali no chão, o chefe agonizante encarava-o com o mesmo olhar da mãezinha. Lembrou dos irmãos. Rubão ainda respira.

-Quantos tiros esta porra dá? – Deu mais 14.

Agora sim, Com a coroa definitiva, sua vida seria outra.

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