sexta-feira, março 02, 2007




Natal era a data em que toda a família se reunia. Uma vez por ano era aquela festa bonita, harmonia e confraternização. Seu Geraldo, o patriarca da família, ficava muito contente em ver filhos, noras, netos e toda a cambada reunida, uma alegria ver aquela casa tão grande para ele e a velha Maria de repente se tornar pequena para comportar todos. Nem a quebra do habituado silêncio o incomodava. Nestas épocas era ele mesmo até mais barulhento que os netos. Gargalhava alto e às vezes gritava bulindo com algum.

Todos traziam alguma contribuição. Peru, cervejas, refrigerantes, panetone, carnes, saladas e frutas. Cada qual trazia algo diferente e a mesa abundava por aqueles dias. Sônia não deixou de contribuir. Trouxe uma grande caixa lacrada e disse que seria aberta apenas para a ceia. Algo muito especial que queria mostrar somente no clímax da festa. Afastava as crianças curiosas e na curiosidade todos passaram aquele dia, pois ela mesma não se continha de alegre, “Vocês vão ver, vão amar”.

O dia transcorreu mais ou menos normal. Os homens bebendo uma cerveja em volta da churrasqueira e contando piadas, os netos entre uma brincadeira e outra ouviam as estórias do avô e as mulheres com os preparativos na cozinha colocavam as fofocas em dia.

Lá de fora um comenta:

- Me dá até medo pensar no que essas mulheres tanto conversam quando estão só entre elas.
- Ah, fofocas. Mulher só faz isso.
- Nada. Mulheres sozinhas são capazes de encabular até um sem-vergonha.
- Capaz homem. Me passa mais uma cerveja ai.

Lá dentro Márcinha aproveita a distância da mãe e pergunta à Sônia.

- E você mana, ta saindo ainda com aquele Augusto?
- Que Augusto? Nem lembro!
- Não se faça de besta. Um pé de mesa daqueles não se esquece assim né, Sônia.
- Ah. Você também não esquece o pintudão né?
- E quem esquece? – Gargalham juntas e mudam o assunto quando a mãe se aproxima.
- Minhas menininhas estão fofocando sobre namoradinhos é? Pergunta a simpática Dona Maria.
- Que namoradinhos que mamãe? Já crescemos e casamos... Lembra? Rebate Márcia.
- Estava falando para ela em como esse natal vai ser especial. Vocês vão ficar surpresos com minha novidade e vai ser uma revolução aqui. Torna Sônia com papo que começava e encher o saco já. Qualquer brecha e lá vinha ela com a tal revolução misteriosa. E no ano que vem nós vamos quebrar tudo! – Completa eufórica.
- Quebrar tudo? Ta doida menina.
- Jeito de falar mãe. Saúde, sucesso e dinheiro.

Sônia se ofereceu para preparar os Drinks. Tudo bem, ela tinha esse dom. Fazia ótimos coquetéis, mas espantar todos da cozinha para preparar em segredo era meio demais. Ainda mais quando disse que ia preparar com uma das maravilhas que trouxera na caixa. Ao menos já sabiam que era de comer. Por fim, com louco não se discute, se concorda. Foram para a mesa esperar

Todos na mesa, próximo à meia noite e surge ela com as jarras. Pede que ninguém tome ainda. Trás a caixa e pede espaço no centro da mesa para apresentar a novidade. Afasta o peru asado, o leitãozinho e as uvas e acomoda o embrulho. Os fogos estouram, sinal que o relógio bateu a meia-noite. Sônia serve a bebida a todos que brindam e levam à boca.

Alguns tentam disfarçar a desagradável surpresa e numa falsa cortesia engolem. Geraldo, já meio alterado pelas cervejas não consegue disfarçar.

- CUSSPPPP...Eita filha, essa merda ta estragada. Que porra é essa.
- O Sônia, você ta de sacanagem é? Um cunhado zomba do outro lado da mesa, cuspindo de volta no copo.
- Sai com esse troço pra lá que eu vou buscar cerveja.
- Calma ai papai. Ainda não. Espere só um segundinho.

Sonia não perde a calma e continua excitada. É hora da revelação. Pede calma e toma a palavra.

- Gente, vocês não vão se arrepender. Esta foi à data escolhida para eu lhes apresentar este produto que vai mudar nossa vida. Mais saúde, mais prosperidade. Vamos todos ficar ricos! Este produto é um milagre da ciência. O que de mais avançado existe em matéria de bem-estar.
- Mostra logo essa porra que eu estou com fome.
- Calma papai. Assim se estraga a surpresa, empertigando a coluna e fazendo pose. Família, tenho orgulho de lhes apresentar a HERBALIFE. Tcharam...
- Herba oque? Perguntam em coro. Enquanto Sônia vai colocando todos os produtos do kit sobre a mesa.
- Herbalife. A Maior e melhor empresa do mundo, que fabrica essas maravilhas de produtos. Hoje é o ultimo dia em que comeremos essas porcarias degradantes. Aponta o leitão e o peru. Vocês podem aproveitar para não desperdiçar, mas amanhã eu me encarrego de fazer uma consultoria grátis com todo um plano de nutrição para cada um de vocês.
- Esse suco horrível que você preparou é herbalife? Ouviu-se lá do fundo.
- Não é suco. É um shake balanceado para nutrição e restauração do organismo. Isso cura até câncer.
Dona Maria começa a envergonhar-se. Geraldo olha furioso para ela como se ela tivesse culpa. Ela reage.

- Ta me olhando porque meu véio? Eu tenho alguma culpa?
- Tem sim. Falei que mimando essa aí ela estragava. Olha aí.
- Você, com sua aporrinhação foi quem ferrou as idéias dela.

Sônia, bem treinada pelo seu mentor não deixaria a peteca cair.

- Isso de não gostar do novo é normal. Agora pensem nos benefícios. Depois que se acostuma com o gosto, é incrível. Além da saúde, vocês podem ganhar muito dinheiro com isso. Podem ficar ricos.

As vozes baixam e de novo ela toma a palavra.

- Cada um de vocês pode ser um supervisor desta maravilhosa empresa. Com ganhos extraordinários. Trabalhando em casa ou nas horas vagas, conforme a conveniência. É infalível.
- Ahã. Dinheiro do céu. Sei.
- Não Márcia. Basta que vocês consumam os produtos e indiquem mais pessoas para participar. Vocês ganham comissão sobre os indicados e sobre quem esses indicar sucessivamente.
- Porra, você faz esse auê pra tentar botar a gente numa pirâmide? Vai te catar. Agora era o irmão que se exaltava.

Márcia recolhia as coisas para dentro da caixa novamente, tentando retomar a ceia. O clima estava estranho. As pessoas impacientes e já sem muita cortesia com a louca que não parava de falar da empresa e do produto. Alguém ligou um som em volume alto e trouxe cerveja. Sônia desesperava-se. A mãe tenta leva-la para dentro. Em meio ao som alto só se ouvia seus gritos insultuosos. Alguém zomba.
- Essa Herbalife não fabrica psicotrópicos não? Que merda de empresa!
- Vocês são uns pobretões mesmo...diz em meio a muitas outras ofensas.

O Pai levanta-se, meio duro meio zangado pede com impaciência.
- Sônia, vá para casa e relaxe. Essas coisas lhe fizeram mal. Amolece um pouco ao ver a filha em lágrimas.
- Não chore, não precisa... isso, calma.. Amanhã você volta e almoça conosco.

Sonia diz algo no ouvido do pai. Ele afaga seus cabelos e discretamente bota algumas notinhas de reais no bolso dela.
- Pra ida e pra volta tá filha. Deve dar. Até Amanhã! Acompanha com os olhos a filha sair, sem despedir-se dos outros. - Rico é? Sei!

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