Palhares.
O americano James Sellers conheceu o Brasil em 1978. Missionário Mórmon, encantou-se com o país e o fez de lar. Aqui James casou-se com uma brasileira e fundou uma igreja evangélica, desvirtuando-se da religião que praticava anteriormente. Sua igreja tornou-se uma poderosa instituição, adquirindo bens por todo o Brasil. E quis o destino que aqui James também morresse precocemente aos 54 anos de um ataque cardíaco.
Passado o choque da morte repentina, pastores e familiares optaram em embalsamar o corpo do americano e posta-lo em homenagem eterna no palco da igreja matriz, pra desgosto da viúva que não concordava mas foi convencida pela maioria. Após alguma pesquisa, a difícil tarefa ficou a cargo de Firmino Palhares, o jovem taxidermista do Zôo de São Paulo e responsável pelo acervo do Museu de Pesca, em Santos, cidade onde Firmino também mantinha um ateliê e recebe o inusitado convite. Thomas agora é o responsável pela igreja e está acompanhado pela viúva de James, a senhora Marlene. Thomas explica a situação ao taxidermista que coça o cavanhaque ralo:
- Embalsamar o homem? Deve dar, já empalhei golfinho, não deve ser muito diferente.
- Contamos com sua colaboração e discrição, senhor Palhares. - Recomenda Thomas com a mão apoiada sobre o caixão de James. Firmino comenta:
- O caso é que isso é proibido. Vai custar uma bolada...
- Dinheiro não é problema. Faça o trabalho da melhor maneira possível que não nos surpreenderemos com o valor. - Garante Thomas. Firmino prende o cabelo num rabo de cavalo e pergunta curioso olhando pro caixão:
- O corpo ta muito fudido? Morreu de que, foi porrada de carro?
Thomas abraça a viúva emocionado e abre o caixão:
- O corpo está perfeito, ele faleceu há pouco mais de dois dias, foi um ataque fulminante...
Um forte cheiro de decomposição se espalha pelo ateliê. Firmino apressa-se em fechar o caixão rapidamente:
- Rapaz, põe a tampa de volta E ABRE essa janela aí de atrás! Esse cara tá completamente estragado! - Marlene soluça baixinho e tem um lenço a boca:
- Pobre James...
- Não encana não, tia! Ele não sente o cheiro, ta morto mesmo. - Sorri o taxidermista. Thomas espantado, comenta se abanando:
- E olha que alugamos um caminhão frigorífico da Sadia para traze-lo ate aqui.
Palhares trabalhou durante semanas no corpo do americano e pede orientações finais à viúva por telefone:
- Então tia, tá quase pronto, agora tem que decidir a posição dele e alguns detalhes.
- Posição?
- É, tipo, ele vai ficar sentado, de pé...
- Ah sim, claro! De pé.
- Ok, de pé. E a pose?
- Pose?
- É porra, vai ficar com os braços pra cima, abertos, sei lá.
- Braços junto ao corpo.
- Cruzados?
- Não, abaixados mesmo.
- Beleza. Mas a senhora não prefere algo mais estaile e tal? Tipo o Freddy Mercury no show?
- Não, quero ele reto.
- Agora é mais delicado, tia: Com pau ou sem pau?
- Credo! Isso é tão desnecessário...
- Desnecessário porque não é na senhora. Um homem sem piroca não é nada. Inclusive posso ate dar um grau no pau dele, ele encolheu muito. Ou já era pequeno assim mesmo??
- (Ignorando o ultimo comentário) Digo desnecessário porque ele vai estar vestido.
- Vestido?!? Eu não sabia disso! Porra, e eu dando maior capricho na bunda dele. Outra coisa, o cabelo não deu pra aproveitar, coloca uma peruca?
- (Irritada) OLHE RAPAZ, você faça o que entender, essa idéia maluca foi do Thomas, não quero saber mais disso! Trate de terminar seu trabalho e enviar a fatura!
- Ok! Não precisa surtar, tia!
Terminado o serviço, Firmino recebe Thomas que olha a fatura:
- Ficou caro , né?
- Por causa do cheiro. Gastei erva pra caralho.
- Erva?
- É cara, maconha. - Thomas arregala os olhos enquanto olha para o lençol que cobre o corpo embalsamado:
- Você fumou maconha pra não sentir o cheiro?? Empalhou James drogado?!?
- Claro que não! Só fumo depois. A maconha eu usei nele, pra dar volume e tirar o fedor. - Fala Firmino levantando o lençol - Mas olha só, ficou dez!
Boquiaberto, Thomas observa a bizarra figura. James tem uma peruca rastafari , uma camisa vermelha do Che Guevara, calças jeans surradas e chinelos tipo havaianas. Firmino limpa o nariz do americano empalhado com uma flanela:
- O olho eu tive que usar preto, não tinha azul. Dei uma bronzeada nele também, o cara tava muito branco. E tatuei uma folha da canabis no peito - Apavorado, Thomas destaca uma folha de cheque, o preenche e passa ao taxidermista:
- Mudamos de idéia, vamos colocar uma foto de James no palco da igreja. Seu serviço está pago. - Firmino confere o cheque e o guarda:
- O senhor que sabe. - Thomas se retira em passos firmes:
- Obrigado e adeus.
- Ei! E o gringo? Não vai levar ele não?
- Não. Faça o que quiser com essa aberração - Responde Thomas dando uma ultima olhada no trabalho de Firnimo - o destrua ou taque fogo.
Firmino vê o homem saindo e comenta com o corpo do americano:
- Ok. Essa gente é maluca mesmo, né não James? Mas ele me deu ate uma idéia...
Naquela noite Firmino fumou o indicador e o polegar de James. E pensou falando alto:
- Se um dia eu trombar com a Luana Piovani, vou fazer uma presença com o caralho do falecido.
quarta-feira, agosto 09, 2006
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