quarta-feira, janeiro 10, 2007
NATAL 33
Ando em um momento de grande amargura. Não consigo meditar, pois não tenho um minuto de paz com este vivente de alma perturbada, pouco inspirado e muito abobalhado que não desgruda de mim.
Sei que ele precisa de salvação, precisa conhecer Deus, mas fica difícil prestar socorro a esta alma enquanto eu próprio ando inquieto. Preciso tomar conselhos com meu pai celestial. O problema é que papai não gosta muito deste sujeito, ainda não é hora de aproxima-los.
Coloco uma mandinga para que ele durma e não me atrapalhe e me retiro para orar.
- Deus Pai, ando amargurado, tu que tudo vê, bem sabe. Se possível afaste de mim este cálice para que deste vinho eu não beba, porém seja a tua vontade e não a minha que prevaleça...
- Poxa Jê, arrenegando vinho também? Ta ficando careta hein.
- Velho, tu não sabes oque diz, este cálice está destinado a mim! Volte a dormir, por favor.
- Mas se tu não quer beber, custa me dar?
- Velho, faça o seguinte: Vá à Taberna da Maria Madalena, pegue dinheiro na minha bolsa e entupa-se de vinho. Daqui a quarenta dias eu passo lá!
- Vai dar não Jê. Estamos sem dinheiro! Aquele Judas com certeza tem pacto com o capiroto. Vá jogar truco daquele jeito no inferno!
Reparo que a nuvem de Deus está se desfazendo. Mandinga não funcionou bem para o Velho dormir. Um soco o põe quieto. Prostro-me diante de Deus Pai e volto ao ponto zero:
- Deus Pai, ando amargurado, tu que tudo vê, bem sabe. Se possível afaste de mim este cálice para que deste vinho eu não beba, porém seja a tua vontade e não a minha que prevaleça. Tu bem viste que levo uma vida reta e digna aos teus olhos...
Uma voz de trovão corta os céus e da nuvem saí aquela conhecida e estrondosa voz.
- Tenho visto teus passos, sim. Como anda a história da mirra?
- Aquilo foi quando era adolescente ainda pai. Esquece esta história. To Limpo.
- Disse-te para não andar segundo o conselho dos ímpios, nem se deter no caminho dos pecadores, nem se assentar na roda dos escarnecedores.
- Tenho guardado estas palavras com dedicação meu Pai
Vejo o velho acordando, um calafrio sobe minha espinha.
- Porra Jê, se soubesse que tu irias ficar tão bravo por ter perdido algumas partidas no Truco, não teria jogado. A Culpa é tua de não querer jogar comigo. Se tu ta na partida, não tinha pra ninguém – Diz o velho com a mão no queixo, verificando se nada está quebrado.
- Fica quieto velho. Respeita meu pai e não te metas que estamos conversando.
- Sussa. Mas pede pra ele mandar aqueles anjinhos servirem um pão de queijo com uma cerveja antes? Daí fico bem de boa. To cheio de fome!
Deus se irrita:
- Assim é que tem se mantido longe dos escarnecedores? ...sem mais... Chega de papo. Quando chegar em casa, conversamos direito.
A nuvem se desfaz.
- Esse teu pai ta ficando velho e ranzinza mesmo hein Jê! Outro dia era uma pomba branca de tão doce, agora, olhe só.
- Cala-te velho. Vamos embora.
- Bora lá. Já é quase meia noite e eu não quero passar o natal aqui em cima. Vamos beber umas lá na Maria Madalena e ver os fogos.
- Ta vamos lá. Mas não vou beber.
- Porra Jê. Tu não fuma, tu não fode e agora vai parar de beber?
- Não enche velho. Você também não vai beber. Lembra que perdeu nosso dinheiro no truco?
- Que merda! Como anda seu crédito lá Jê?
- VÁ A MERDA – Digo com aspereza, mas logo me arrependo ao ver a cara de constrangido do infeliz.
- Errrrr.... hãã;;; Legal né?
- Legal oque, velho?
- Feriado bem no dia do seu aniversário. O Ultimo.
- Tem o ano novo ainda, animal.
- Não digo o feriado, Jê. Digo natal seu.
- ...
- Nem esquenta. Sexta feira santa também será para você!
Não há paciência que agüente. Uma bica no traseiro dele deixa-o mais esperto.
- Porra Jê, to começando a achar que tu ta na crise dos trinta e três.
Acho que este velho é realmente um escarnecedor. Não adianta, papai está sempre certo.
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